Artigo publicado na revista Violo Pro, n.11, So Paulo, 2007.

 

ABERTURAS

DOMINANDO AS DISTENSES E CONTRAES DE MO ESQUERDA

Daniel Wolff

 

As aberturas de mo esquerda constituem um importante mecanismo a ser dominado pelo violonista. Elas servem tanto para obter acordes que abarcam mais de quatro casas como para evitar deslocamentos de uma posio a outra (traslados).

Apesar de ser muitas vezes chamadas de aberturas, vamos utilizar neste artigo o termo empregado por Abel Carlevaro e Eduardo Fernandez: distenso. O dicionrio Houaiss da lngua portuguesa define o verbo distender como estender(-se) para diversas direes e, coincidentemente, cita como exemplo a frase distender os dedos da mo. No confundir com a expresso distenso muscular, que define uma leso causada pela ruptura das fibras musculares.

Quando colocamos os dedos 1-2-3-4 respectivamente na primeira, segunda, terceira e quarta casas, numa mesma corda, a mo esquerda est em posio longitudinal. Ou seja, os dedos esto dispostos em casas adjacentes. Chamamos de distenso qualquer posio que exceda esta disposio de um dedo por casa.

J quando os dedos so colocados em posio mais fechada, temos uma contrao. Um exemplo comum de contrao o acorde de l maior no qual os dedos 1-2-3 posicionam-se na segunda casa, respectivamente na quarta, terceira e segunda cordas. Como os trs dedos no esto dispostos em trs casas adjacentes, mas sim em uma mesma casa, temos uma contrao.

Tanto nas distenses como nas contraes, necessrio ter em mente que os dedos no trabalham sozinhos. A posio do brao, a curvatura do pulso, o ngulo da articulao das falanges e o ponto de contato dos dedos com as cordas so fatores a serem considerados quando buscamos a maneira mais eficiente de tocar. Portanto, devemos estar sempre atentos ao aparelho motor envolvendo os msculos e articulaes da mo, dedos e brao.

O violonista David Russell d uma dica importante. Segundo ele, os msculos da mo servem para fech-la. Esto, assim, constitudos de tal maneira que, quando a mo est aberta, os msculos esto em distenso, sendo sua tendncia natural a contrao. Portanto, antes de uma distenso (abertura), necessrio enviar aos dedos uma ordem de relaxamento suplementar para contrabalanar a tendncia natural de contrair. Lembre-se sempre disto quando for praticar os exerccios aqui propostos.

Veremos a seguir alguns exemplos de distenso e contrao, e como o aparelho motor pode ser utilizado para facilitar o movimento dos dedos. Examinaremos tambm casos nos quais a distenso permitir evitar deslocamentos de mo esquerda. Por fim, veremos alguns exerccios tcnicos para desenvolver o trabalho de abertura dos dedos.

 

ATENO:

Nunca faa os exerccios de distenso no incio de uma sesso de estudo!

Os exerccios apresentados aqui devem ser praticados quando a mo j estiver aquecida. Segundo o educador fsico Cssio Tejada, com base na literatura da fisiologia do exerccio, o aquecimento minimiza o risco de leses, tais como a tendinite ou a ruptura das fibras musculares. Os exerccios de distenso podem levar os msculos a alongamentos extremos, o que desaconselhvel sem um aquecimento prvio.


 

 

Exemplos de distenso e contrao

Definimos acima que posio longitudinal a colocao dos dedos 1-2-3-4 em casas adjacentes em uma mesma corda. Para fins de discusso, chamaremos de posio regular aquela na qual os dedos tambm esto dispostos em casas adjacentes, porm no em uma mesma corda. No exemplo 1a temos um acorde deste tipo. Ao substituir o f# por um f natural, o dedo 1 dever estender-se at a primeira casa, gerando uma distenso entre os dedos 1-2. J no exemplo 1b vemos um caso de contrao: os dedos 1-2-3, que em posio regular abarcam 3 casas, contraem-se  para formar o acorde de l maior na segunda casa. Muitas vezes, teremos a ocorrncia simultnea de distenso e contrao em um mesmo acorde, gerando uma posio mista (ex. 1c).

 

 

Posicionamento do brao, mo e dedos: distenso

Tomemos como base a posio longitudinal do exemplo 2a, observando o ngulo da mo e dos dedos (foto 1). Via de regra, a distenso mais facilmente obtida aproximando-se o cotovelo do corpo, fazendo com que a mo fique um pouco cada para a esquerda (giro no sentido anti-horrio). Com este movimento podemos, mantendo o dedo 1 fixo na primeira casa, obter a posio do exemplo 2b (foto 2). Note como os dedos incidem mais lateralmente sobre as cordas do que na foto 1.

Ocasionalmente, distenses do dedo 4 so mais facilmente obtidas atravs do movimento inverso. Para passar do acorde do exemplo 2c para aquele do exemplo 2d, afastamos o cotovelo do corpo, facilitando o acesso do dedo 4 ao si natural (fotos 3 e 4). Note como a mo faz um leve giro no sentido horrio, inclinando-se para a direita. Mais raramente, h casos que envolvem vrias distenses simultneas, obtidas com um leve movimento do cotovelo para frente, porm sem girar a mo lateralmente (exemplo 2e, foto 5).

 

     

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Foto 1
Foto 2
Foto 3
Foto 4
Foto 5


Posicionamento do brao, mo e dedos: contrao

Para observar como o brao pode auxiliar os dedos nas contraes, partiremos novamente de uma posio regular, retomando o exemplo 1b (foto 6). Para fazer o acorde de l maior, necessrio deslocar os dedos 2 e 3 para a segunda casa. O dedo 1 ficar fixo no mi da quarta corda, servindo de eixo para o movimento. Temos aqui duas possibilidades. A primeira consiste em elevar o cotovelo para a esquerda, afastando-o do corpo (foto 7). Apesar de realmente facilitar o trabalho dos dedos, esta posio gera tenso nos msculos do ombro. Portanto, a melhor opo inclinar a mo levemente para a esquerda (sentido anti-horrio) e empurrar o cotovelo para a frente (em direco ao punho), permitindo a curvatura do pulso (foto 8).


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Foto 6
Foto 7
Foto 8

 

Descobrindo o melhor posicionamento

Se eventualmente voc ficar em dvida sobre qual o melhor posicionamento da mo, pulso e brao para um determinado acorde contendo distenses e/ou contraes, siga o procedimento que usamos acima:

1) Faa o acorde no violo.

2) Mantendo os dedos nas mesmas cordas, refaa o acorde em posio regular. Ou seja: troque os dedos de casa de maneira que cada dedo fique em uma casa adjacente (pelo menos um dedo dever ser mantido na mesma casa). Assim, eliminamos as distenses e as contraes.

3) Usando como eixo o dedo (ou dedos) que permaneceram na mesma casa, tente refazer o acorde original, no movendo os dedos, mas sim alterando a posio do cotovelo, a inclinao da mo e a curvatura do pulso. Assim, minimizamos o esforo necessrio dos dedos.

 

Evitando deslocamentos de mo esquerda

O uso de distenses pode ser til para evitar deslocamentos de mo esquerda (traslados). No exemplo 3a, trecho do Concerto de Aranjuez de J. Rodrigo, a escala comea na dcima posio, continua na dcima segunda posio (a partir da nota mi) e retorna para a dcima posio na ltima nota do compasso. A digitao proposta no exemplo 3b permite evitar a mudana de posio por meio de distenses. A mo deve posicionar-se frontalmente, como na foto 5.

 

 

Observe agora o trecho extrado da pea Madroos, de F. Moreno-Torrba. Iniciamos na terceira posio e necessitamos passar para a primeira posio para tocar o acorde (ex. 4a). A digitao proposta no exemplo 4b evita a mudana de posio. Para alcanar as notas sol-l com os dedos 2-4, inclinamos a mo para a esquerda (ver foto 2), tendo como eixo o dedo 1.

 

 

Exerccios

Como vimos anteriormente, podemos facilitar as distenses mediante a inclinao lateral da mo aliada ao deslocamento do cotovelo, reduzindo consideravelmente o esforo necessrio dos dedos. Porm, como o objetivo dos exerccios aqui propostos desenvolver a abertura entre os dedos (alongamento), manteremos sempre a mo em posio frontal, como na foto 5 acima. Aps colocar-se na corda, cada dedo dever permanecer fixo, levantando-se apenas em trocas de corda ou para permitir que uma nota inferior seja tocada na mesma corda.

Os exerccios devem ser praticados inicialmente na stima casa, onde o espao entre os trastes menor. Posteriormente, poderemos transport-los paulatinamente em direo primeira posio, almejando uma maior amplitude de movimento.

 

Exerccio 1:

Para abertura de dedos adjacentes (1-2, 2-3, 3-4). Alterna a posio longitudinal com a distenso. O dedo inferior deve manter-se fixo, enquanto o dedo superior faz a distenso. Por exemplo, no caso da combinao 1-2, o dedo 1 permanece fixo.

 

 

Exerccio 2:

Para abertura de dedos no-adjacentes (1-3, 2-4, 1-4). Semelhante ao exerccio 1. Quando voc tiver pouco tempo para praticar, d preferncia ao exerccio 1, pois o alongamento entre dedos adjacentes mais difcil e, quando praticado, melhora tambm a abertura entre dedos no-adjacentes.

 

 

Exerccio 3:

Semelhante ao exerccio 1, mas trabalha aberturas maiores. Em posies mais baixas, onde a distncia entre os trastes maior, ser excepcionalmente necessrio recorrer a um leve deslocamento do cotovelo e posicionamento lateral da mo (como nas fotos 2 e 4).

 

 

Exerccio 4:

Alterna a escala cromtica com a escala de tons inteiros, para trabalhar a abertura dos quatro dedos. Estes devem ficar fixos na corda enquanto notas mais agudas so tocadas.

 

 

Variaes - Exerccios 5-6:

Apenas com os exerccios acima, pode-se conseguir um bom domnio da abertura entre os dedos. Adicionalmente, podem ser criadas variaes trabalhando tambm aberturas entre cordas diferentes, como sugerido no exerccio 5. Outra variao interessante consiste em trabalhar distenses em acordes, como no exerccio 6.

 

 

 

Trabalhando lentamente estes exerccios, com ateno para o correto movimento dos dedos, voc poder adquirir em pouco tempo um bom domnio das distenses. No esquea que os exerccios de distenso devem ser praticados quando a mo j estiver aquecida, para evitar leses. Procure tambm reproduzir no violo as posies de contrao e distenso ilustradas nas fotos (exceto a da foto 7), mantendo-as fixas por tempo suficiente para gravar a sensao neuro-motora em sua memria muscular. Assim, no futuro, ser mais fcil voltar a elas quando necessrio. Bom estudo!

 

2007  Copyright by Daniel Wolff (www.danielwolff.com)

 

REFERNCIAS

Carlevaro, Abel: Escuela de la guitarra, Barry

Carlevaro, Abel: Srie didctica Cuaderno 4, Barry

Contreras, Antonio: La tcnica de David Russell en 165 consejos, Cuadernos Abolays

Fernndez, Eduardo: Tcnica, mecanismo, aprendizaje, Art

Shearer, Aaron: Slur, ornament and reach development exercises, Franco Colombo